Aparecido Raimundo de
Souza

HOJE, CARÍSSIMAS
senhoras e ilustres senhores, quero falar da língua. Não daquela que saboreia o
doce ou se enrola no fel amargo. Esmiuçarei das demais línguas que não cabem na
boca, as que escapam pelos cantos, que se arrastam pelo chão da moral e se vangloriam
expostas nos varais das poucas vergonhas as mais ordinárias e traiçoeiras.
Direi coisas desses órgãos musculares, com ênfases para as línguas sujas, ou
aquelas simpáticas que fazem parte, do nosso dia a dia, e por conta disso são
comuns em se lambuzarem de maledicências, que adoram cuspir venenos os mais
hediondos em forma de opiniões, línguas que se acham sábias, mas vivem de
boatos. Trarei à baila as famosas línguas ferinas, afiadas como navalhas que
cortam, sem dó nem piedade as reputações com frases maquiavélicas, que xingam,
que ferem, que não medem consequências. Comentarei também daquelas outras que
bravateiam de tudo, que sabem de tudo, que se metem em tudo. Especialistas em
vidas alheias, se diplomaram em
julgamentos sem pé nem cabeça, e se tornaram mestras (feminino de mestre) com
doutorados pela Sorbonne Université de Paris, bem ainda em distorções e
falseamentos os mais cabeludos.
No mesmo saco de
pancadas também… enumerarei observações sobre as línguas que podem acariciar
com palavras, que constroem pontes, prédios e casas, que podem salvar corações
amargurados e à beira de ataques de nervos com um “simples me perdoa ou um
humilde me desculpa”. As línguas são como facas e flores, agulhas e dedos calos
e sapatos apertados. Depende, obviamente, de quem as usam. E de como delas
fazem uso diário. Pois bem! A língua é um órgão musculoso, repetindo o que
aprendi nos livros de biologia. Entretanto, quem vive sabe: elas são muito mais
que isso. Viraram máquinas de destruição em massa. Não precisam de armas de
fogo, de licenças, não carecem de nenhum tipo de permissão ou porte para saírem
por esse mundão de Deus à fora. Bastam abrirem as suas bocas. Temos línguas que
não cabem nos famosos “comedores de lavagens”. Vivem grudadas feito carrapatos,
às vezes escorregando pelos cantos, tropeçando em nomes que não lhe pertencem.
São línguas que se acham GPS das vidas alheias, que sabem onde todo mundo
errou, menos onde elas mesmas se perderam e esqueceram onde viram pela última
vez as dentaduras que tapavam os buracos faltosos de um precioso punhado de
dentes.
Transitam à solta
pelas ruas e praças, indo e vindo por todos os lados essas línguas sujas. Não
conspurcadas por comidas — isso seria fácil de limpar. São línguas imundas,
nojentas, tanto de intenções, como de julgamentos, de invejas mal disfarçadas
em emitirem as opiniões as mais diabólicas. São aquelas que começam com “não é
por nada não, mas…” e terminam com as reputações rés ao chão. No mesmo saco de
gatos, podemos nos deparar com línguas ferinas. Línguas que não conversam,
atacam. Que não discutem, decretam. Que não perguntam, acusam. São línguas que
não usam freios, mas ao oposto, são equipadas com miras telescópicas.
Geralmente essas espécies acertam onde dói mais. Também, senhoras e senhores,
podemos nos defrontar com as línguas enciclopédias: O que venha a ser isso?
Simples! Línguas rotuladas de enciclopédias são como aquelas meninas rebeldes
tipo essas adolescentes que sabem de tudo, falam línguas estranhas, opinam
sobre coisas que ninguém nunca ouvir nem nos auspiciosos e educativos BBBs da
Rede Globo lixo. As belezocas explanam sobre políticas, medicina, astrologia,
fofocas de artistas de televisão, vida íntima dos vizinhos, dieta das
“influencers” (tão em moda), discorrem das crises no Oriente Médio.